El Roto
Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em 01 de março de 2020
Fazer o EL PAÍS não é fácil
Os cidadãos precisam de informações verdadeiras e de
opiniões plurais, além de meios que respeitem e busquem a realidade
Por Soledad Gallego-Diaz
Em abril de 1976, uma campanha de publicidade meio estranha
apareceu em dezenas de cartazes nas principais cidades da Espanha. Dizia:
“Fazer o PAÍS não é fácil” e jogava com duas ideias: a Espanha, no início do
seu processo de transição para a democracia, estava experimentando uma mudança
difícil e radical, e o EL PAÍS, um novo jornal, nascia submetido a rigorosas
normas profissionais, quase tão desconhecidas quanto a democracia em nosso
país. Não iria ser fácil.
Agora, em março de 2020, quase 44 anos depois, escrevo-lhes,
como diretora do EL PAÍS, para lhes dizer outra vez que fazer o EL PAÍS é
difícil. As circunstâncias mudaram: a Espanha é uma democracia consolidada, mas
enfrenta um tempo, quase uma nova era, no qual, submetida a mudanças tão
extraordinárias e radicais como todos os outros países do mundo ocidental, olha
para si mesma e olha para o exterior com perplexidade e incerteza, às vezes com
medo e às vezes, também, com esperança. O trabalho, a saúde, o poder dos
enormes conglomerados tecnológicos, o impacto da Internet na vida cotidiana, os
efeitos de uma mudança climática já inevitável e a emergência de novas
potências mundiais nos intrigam e nos inquietam. Sabemos que não será fácil nos
adaptarmos a essas mudanças, mas também que é inevitável e que temos força,
sabedoria e vontade de tirar o melhor de toda esta transformação espetacular,
para terminar melhorando nossa vida e a maneira como nos relacionamos.
O mesmo acontece com o jornal EL PAÍS. Assim como a
sociedade onde nascemos, enfrentamos desafios novos provocados, em nosso caso,
por uma mudança tecnológica enorme, avassaladora. O mundo digital e as novas
tecnologias aplicadas à informação mudaram de cima a baixo as ferramentas com
as quais trabalhamos, o modelo de negócios da empresa, a maneira de nos
relacionarmos com nossos leitores, o âmbito, imensamente mais amplo, que
podemos alcançar. E temos que nos adaptar a essas novas realidades.
Na verdade, as necessidades dos cidadãos neste novo mundo
que nasce não são muito diferentes das dos cidadãos de 1976. A maioria aspira
ao mesmo: ser razoavelmente feliz, viver em paz, em uma sociedade que lhe
proteja na doença e na velhice, onde possa desfrutar da natureza e desenvolver
suas próprias habilidades; talvez amar e ser amado, talvez ter filhos. E sabem
que, para atingir esses objetivos, precisam manter algo que é fundamental e
irrenunciável, sua liberdade e seus direitos civis, e que para isso a primeira
coisa é dispor de informação verdadeira e de opiniões plurais. Ou seja, que
continuam necessitando, talvez mais do que nunca, de meios de informação, como
o EL PAÍS, que respeitem e busquem a verdade, que sejam capazes de questionar
com base nos fatos, a real essência do jornalismo de qualidade.
Os jornalistas que fazem atualmente o EL PAÍS dominam as
novas tecnologias e se movem no mundo digital com a mesma naturalidade com que
se moviam aqueles que faziam o jornal em papel. Mas, como os próprios cidadãos,
eles tampouco alteraram seus objetivos profissionais: compartilham da mesma
preocupação e da mesma paixão por um ofício que só alcança sua máxima expressão
em grandes redações, dispostas a respeitar seu compromisso social. Seguros de
que o jornalismo a que servem é o que questiona com base nos fatos, respeitando
normas que são públicas e conhecidas e que os leitores podem exigir. Os
jornalistas do EL PAÍS compartilham uma cultura profissional própria, não se
dirigem a clientes ou usuários e, sim, a leitores, cidadãos que não consomem
informação, mas sim a processam, a comentam e a utilizam para seus próprios
debates. Não pretendem converter os leitores em nada nem a nada, e sim
informá-los. Trata-se de saber o que acontece com eles e o que acontece ao seu
redor. Buscar o contexto em que tudo isso se produz. Levar a eles opiniões
diversas, mas informações verificadas.
Os cidadãos, os leitores, sabem que entre as mudanças que a
sociedade experimenta figuram as grandes redes de manipulação que surgiram nos
ambientes digitais, e que a única maneira de lutar contra esse movimento de
fake news, que pretende confundir seu livre critério e limitar sua liberdade, é
entender que precisam de jornalistas dispostos a prestar contas do seu
trabalho. Para isso necessitaremos de toda a tecnologia da qual pudermos dispor,
mas a serviço de nossos leitores e de nossos objetivos profissionais:
necessitamos um grande EL PAÍS para conseguir abrir as agendas, na Espanha, na
Europa e na América Latina, àqueles assuntos que são realmente do interesse
público. Precisamos poder lutar contra os movimentos de distração maciça que
pretendem que os cidadãos não disponham dos dados necessários para criar sua
própria opinião.
O EL PAÍS tem, como todos os grandes veículos de comunicação
do mundo, sua própria personalidade, forjada pelo trabalho de centenas de
jornalistas ao longo de quatro décadas e pela determinação de redações
inconformistas que sempre lutaram pela credibilidade e a confiabilidade. O EL
PAÍS tem desde sua fundação, como jornal e como empresa, um compromisso radical
de defesa das instituições democráticas. E o desejo de acompanhar a sociedade
espanhola, europeia e latino-americana nas mudanças, brutais, que experimenta,
proporcionando-lhe meios de verificação e explicação e opiniões confiáveis. O EL
PAÍS não contempla nossas sociedades como lugares estáticos, acuados pelo medo
e a arrogância. Observa-as e as acompanha como o que são: sociedades em
mudança.
Fazer o EL PAÍS não é fácil. Quando nasceu, pedimos a vocês
que fossem à banca e pagassem 10 pesetas. Hoje voltamos a pedir o seu apoio. Em
poucas semanas, lançaremos o modelo de assinatura digital com o qual temos
certeza de que poderemos garantir durante as próximas décadas os níveis de
jornalismo de qualidade exigido por nosso compromisso com vocês. Um jornalismo
que sirva à democracia e à sociedade, que esteja atento a vocês, nossos
leitores, nosso único, apaixonado e verdadeiro objetivo.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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