Andrea Barata Ribeiro (Foto: Carlos Vechi)
Publicado originalmente no site Época Negócios, em 19/03/2018
“Hoje tem que pensar multiplataforma desde o início do
projeto”
Por Dubes Sônego
Andrea Barata Ribeiro, sócia e diretora-executiva da O2,
fala sobre o processo de transformação digital na maior produtora audiovisual
do país
Andrea Barata Ribeiro lê ultimamente menos do que gostaria. Falta
tempo, diz a sócia e diretora-executiva da O2, maior produtora de audiovisual
do país. Este ano, “finalmente”, começou “Grande Sertão: Veredas”, clássico de
João Guimarães Rosa. “Tinha essa falta”, afirma. No Reveillón, matou “A Glória
e seu cortejo de horrores”, livro da atriz Fernanda Torres. E emendou “O Guia
Politicamente Incorreto dos Anos 80 pelo Rock”, do roqueiro Lobão. Por prazer e
dever de ofício, dedica o tempo que lhe sobra mais a filmes e séries. Nas
semanas que antecederam a entrevista, realizada em uma tarde chuvosa no início
de março, terminara uma maratona de filmes candidatos ao Oscar e a série
espanhola Merlí, da Netflix, que tem como personagem central um professor de
filosofia do ensino médio. Mas o que faz mesmo na maior parte do tempo é ajudar
a contar histórias.
Uma das mulheres mais poderosas do cinema brasileiro, Andrea
foi produtora executiva de filmes como Cidade de Deus, Ensaio sobre a Cegueira
e Xingu. Ao lado dos diretores Fernando Meirelles e Paulo Morelli, com quem
fundou a produtora em 1991, ajudou a rodar 27 filmes, 36 séries para TV aberta
e fechada e milhares de comerciais para TV e internet – só em 2017, foram 1820
filmes publicitários. “O audiovisual está em um momento incrível, aqui e no
mundo”, diz.
Da sala envidraçada que lhe serve de escritório, no mezanino
de um dos prédios da O2, em São Paulo, é Andrea quem coordena o processo de
expansão da produtora, principalmente nas áreas de entretenimento e
pós-produção, e a adaptação à era digital. Desde 2013, a companhia tem uma
divisão chamada Outras Telas. É onde estão locadas as pessoas dedicadas a
pensar projetos de museus, exposições, ações promocionais que envolvam
experiências imersivas em realidade virtual e outras tecnologias de ponta, como
inteligência artificial. Na entrevista que segue, resultado de um papo de quase
uma hora, Andrea falou sobre novas plataformas de veiculação, a aplicação de
tecnologias de ponta ao audiovisual, modelos de remuneração e os reflexos disso
tudo sobre a O2.
De que forma as novas tecnologias e canais de distribuição
que surgiram com a internet influenciam a forma como vocês trabalham? Como
estão se adaptando?
Quando a gente começou não existia produção independente
para televisão, nem cinema. Ou você trabalhava em um canal de TV ou fazia
publicidade. Hoje, com todas essas plataformas, com Netflix, Google Play, HBO,
Amazon, a demanda por conteúdo cresceu absurdamente. Para você ter uma ideia,
no segundo semestre, vamos rodar seis séries. Em paralelo, há um movimento, ao
meu ver ainda inicial, de ser multiplataforma. Você faz a série de TV, mas tem
que falar com o público no Instagram, no Facebook. Não adianta mais fazer só o
conteúdo principal. Tem que pensar os periféricos, que já não são tão
periféricos assim, desde o início.
Você tem que entregar a história em vários formatos
diferentes?
Está começando a acontecer. No caso de uma série, você pode
ter um pequeno filme para internet sobre um personagem. Pode contar de onde ele
veio, ou alguma coisa que não se vê na série, com uma linguagem para cada
plataforma. A gente fez um Instagram para o filme Mariguella (em filmagem). É
como se fosse um documentário sobre a produção do filme, mas no formato
Instagram, com uma estética, uma linguagem e um roteiro próprios. Está indo
super bem, tem quase 20 mil seguidores. Antes, a janela principal de exibição
era o cinema. Ela ainda é muito importante. Mas já não é mais a mesma coisa. As
pessoas assistem mais é no conforto de casa. Então, para engajar as pessoas,
não dá mais para pensar só no filme. Tem que pensar multiplataforma desde o
início. Fora isso, a gente sempre tenta agregar um pouco de tecnologia, para
achar outro nicho, buscar outras pessoas, estar com um pé nesse ambiente novo.
Porque é inevitável. A novas tecnologias vão ditar cada vez mais o que as
pessoas gostam e querem, quais as tendências, com quem e como você vai falar
exatamente.
Como vocês estão se estruturando para isso?
A gente colocou um pé na área pela primeira vez em 2005.
Antes do YouTube, abrimos a O2 Digital, porque estava começando a existir
demanda de publicidade para a internet. A gente nem sabia direito o que era.
Até hoje não é muito definido, muda muito rápido. Mas começamos a fazer, porque
sentíamos que era estratégico, porque viria essa grande mudança pela qual ainda
estamos passando.
E quando os negócios digitais começaram a ganhar volume?
Em 2013. O digital já tinha se tornado mainstream.
Internamente, já não havia mais separação entre publicidade e digital. Foi
quando a gente abriu o Outras Telas (área interna da O2) para cuidar de
projetos envolvendo novos formatos e tecnologias, como realidade virtual,
"experience", museus, exposições e projeções mapeadas. De novo, não
sabíamos direito o que fazer. Mas vimos que havia um mercado ali, com um pé na
publicidade e no entretenimento, que são nossas vocações. Botamos um pé para
entender. Hoje, temos um cardápio muito grande e demanda dos clientes. Os
clientes têm vontade de fazer coisas que também não sabem muito bem o que é.
Uma hora a palavra da moda é "experience". Depois é inteligência
artificial, algoritmos para descobrir tendências, realidade virtual. Já fizemos
projetos para museu, projeções mapeadas, projetos de "experience" e
realidade virtual.
Já fizeram filmes em realidade virtual para quem?
Temos mais de doze projetos de realidade virtual. Um dos
vídeos mais vistos no mundo é nosso. É um clipe da Ivete Sangalo. A realidade
virtual demorou mais a pegar aqui que nos Estados Unidos porque a tecnologia do
óculos está demorando a chegar. Mas há uma mudança acontecendo, que a gente vê
no SXSW [festival de inovação e economia criativa ocorrido em Austin com
cobertura de Época NEGÓCIOS]. A realidade virtual está se tornando conteúdo
para cinema. A IMAX abriu sala de realidade virtual. Grandes diretores de
cinema estão fazendo filmes em realidade virtual. O Fernando [Meirelles] falou
que está louco para fazer também. Já a publicidade está indo mais para
"experience". Se você monta um ponto de venda, pode ter lá um
simulador de um carro, um jogo com realidade virtual gamificada. A tecnologia
vai evoluindo e os clientes vão querendo mais coisas. Muda o tempo todo. A
gente fica sentindo em que direção e corre atrás.
Vocês tem gente dedicada exclusivamente a isso?
Investimos em algumas pessoas no Outras Telas que ficam
testando coisas novas, investigando possíveis caminhos. Elas nos trazem
informações sobre o que está acontecendo. Hoje, uma das principais tendências
são os GIFs. Se tornou uma nova forma de contar histórias. Outra nova grande
plataforma de mídia é o Whatsapp. É uma plataforma de conversação. Como você
conta uma história ali?
Essa diversidade de plataformas exige profissionais com capacitações
diferentes. Como vocês fazem para ter as pessoas certas na hora certa?
Na O2, além de termos parceiros de longa data, alimentamos o
tempo todo a base da pirâmide. Se não, não segura. Trazemos roteiristas e
fotógrafos constantemente. Nas nossas salas de roteirista têm sempre um
estagiário em formação. Em realidade virtual, formamos toda a equipe. Fizemos
um acordo com a Belas Artes, para criar um laboratório de narrativas imersivas
e termos gente estudando isso. Há um intercâmbio. Em projetos de publicidade e
conteúdo patrocinado, que envolvem criação nossa, chamamos parceiros. E aí
entra a nossa experiência em curadoria, com o Fernando, o Paulo, diretores da
casa, que ajudam a separar o joio do trigo. Em tecnologia, temos agora uma
parceria com o Álvaro [Machado Dias]. Ele é professor de neurociência e tem uma
empresa de software, a WeMind, que nos apoia em realidade virtual, realidade
aumentada, inteligência artificial e neuroconteúdos.
Neuroconteúdos, o que é isso?
Já tivemos algumas experiências. Em Inhotim, por exemplo,
foi feita uma instalação artística em que as ficavam ao redor de uma tela de
vídeo, com sensores para a captação de ondas cerebrais (EEGs) conectados à
cabeça. O computador interpretava as ondas cerebrais e, quanto mais uníssona a
vibração, mais crescia na tela uma mandala. É uma experiência de neurociência.
Onde vai dar a gente não sabe. Mas não dá para não ter um pé ali, com um maluco
desses.
E a inteligência artificial, como é usada?
Com a inteligência artificial e as informações as pessoas
disponibilizam na rede é possível oferecer a cada pessoa um produto específico.
Já veio cliente aqui pedir para orçarmos 25 milhões de filmes. O cliente queria
que cada pessoa que entrasse em uma loja da sua marca pudesse assistir um filme
personalizado, com o tipo de roupa preferido pela pessoa. Na época, ainda não
era possível. Mas hoje é muito fácil. Você faz um filme com certos buracos, que
são preenchidos a partir dos dados que você pega de cada pessoa. Se usa saia,
por exemplo, bota lá uma saia. O Álvaro, esse parceiro nosso, tem esse tipo de
habilidade. Este é um exemplo em publicidade. Mas imagine como isso pode ser
aplicado.
Há equipes separadas para cada área? Como é o processo de
criação?
As equipes, por enquanto, são separadas. Na hora de lançar
ou de começar a produzir, nós juntamos os departamentos, dependendo do caso.
O modelo de remuneração também mudou de alguma forma?
Tem coisas que estão mudando. Foi necessário um prazo para
que todo mundo se adaptasse. Os canais de TV e plataformas, por exemplo, estão
mais abertos para projetos que oferecemos e que já vêm com patrocinador. Levou
uns três anos para perceberem que alguém de fora que traz um patrocinador não é
inimigo do cara que vende o espaço de 30 segundos. Houve algumas tentativas e
agora estão começando a surgir alguns modelos. A gente formata um projeto. A
partir daí, vai atrás de patrocinadores possíveis e triangula com o canal. Pode
envolver uma ou várias plataformas, com coisas ao vivo, "experience",
aplicativo ou realidade virtual. Agora, como tudo é muito novo, a remuneração
disso ainda não têm um modelo formatado. Até por isso, às vezes, coisas que
propomos não dão certo. Em "experience" também não dá para seguir
muito o modelo tradicional. O Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, foi um
projeto de três anos, um processo de tentativa e erro, de descobrimento.
Envolveu pesquisa, uma mistura de ciência e conteúdo. Não dá para fechar um
orçamento como se fosse de publicidade.
Há dez anos, qual era a principal área de receita da O2? E,
hoje, qual é?
Era publicidade. Respondia por 80% ou 90%. Entretenimento,
no começo, era subsidiado. Hoje, não. São duas áreas super fortes. Depois tem a
pós-produção, que também cresce muito. Porque a pós, cada vez mais, é parte
integrante dos filmes. Hoje, não existe um filme que não passe por
pós-produção. Seja para apagar coisinhas, como um carro. Até coisas mais
sofisticadas, como universos criados em 3D. Antigamente não tinha tanta coisa.
Hoje, publicidade representa 54%, entretenimento 35% e pós-produção 11%. Outras
Telas está em publicidade.
As novas tecnologias abriram novas possibilidades, mas
também trouxeram muito mais concorrência para o setor. De que forma isso
impactou a O2?
Hoje em dia qualquer pessoa pode produzir na sala de casa,
no computador. Eu posso ter uma câmera no meu celular com uma qualidade bacana,
editar no meu computador e teoricamente fazer um comercial ou seja o que for.
De repente, tem milhões de seguidores em um blog que não tem qualidade
artística nenhuma. Isso aconteceu. A competição é muito maior. Democratizou,
por um lado. Por outro, antes você só tinha a TV aberta. Agora, tem também o
Cabo, as plataformas digitais de internet. Tem que ser muito mais esperto para
achar o público. Por isso, é preciso usar todas essas outras ferramentas. É uma
mudança, mas a gente continua apostando que conteúdo de qualidade sempre vai
ser necessário. Contar uma boa história, bem produzida, bem filmada. Esse
espaço continua garantido.
Texto e imagem reproduzidos do site: epocanegocios.globo.com
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