Publicado originalmente no site El País Brasil, em 10 de julho de 2017.
Charlie Beckett: “Temos de admitir que o jornalismo não é
rentável”.
O professor da London School of Economics analisa a profunda
transformação dos meios de comunicação
Por David Alandete.
Primeiro foi o Brexit. Em seguida, o referendo na Colômbia.
Mais tarde, a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. E mais recentemente o
perverso resultado das eleições no Reino Unido, que mergulhou o país em uma
profunda confusão. E não são apenas os cidadãos que estão confusos. As
pesquisas e os analistas se equivocaram. Por meio de suas notícias, os meios de
comunicação não souberam refletir fielmente o estado de espírito dos eleitores.
Charlie Beckett (Londres, 1961), jornalista de longa trajetória, professor de
mídia na London School of Economics e fundador do prestigiado think-tank Polis,
acredita que a imprensa precisa de várias sessões de terapia para reencontrar
sua razão de ser. Sua função continua sendo a mesma de sempre: relatar fatos,
separando-os da opinião. Enquanto isso, os jornalistas devem resistir a muitos
cantos de sereias.
Pergunta. O resultado das eleições no Reino Unido foi
inesperado. Muitos de nós erramos em nossas previsões. Os meios de comunicação
devem mudar a maneira de cobrir eleições?
Resposta. Acredito que sim. Estamos obcecados pelas
pesquisas de opinião e nos esquecemos de informar. No Reino Unido, temos uma
mídia muito centrada em Londres. Deve-se informar à moda antiga, de baixo para
cima. Também é preciso ter uma edição digital. Está acontecendo algo terrível.
Todos os jornalistas estão no Twitter e leem os tuítes uns dos outros, eles se
retroalimentam e ignoram outras fontes.
P. Não apenas a mídia errou. Os políticos também não
esperavam esse resultado.
R. É verdade. Por um lado, Theresa May fez uma campanha
desastrosa. Ela se recusou a dar entrevistas mais profundas e a participar de
debates. Jeremy Corbyn transitava no início em ambientes muito controlados, só
em áreas de esquerda. À medida que a campanha avançava, seus assessores foram
suficientemente inteligentes para obrigá-lo a fazer mais. Não só porque ele era
muito popular, mas também como uma maneira de dizer: “Somos abertos, honestos,
atraímos multidões e temos muita gente nas redes sociais”. Isso levou à ideia
de que os trabalhistas tinham uma mensagem positiva e eram o partido da
mudança.
P. Mas quase não se falava disso. Parecia que Corbyn levaria
os trabalhistas a uma derrota histórica.
R. A informação em alguns jornais foi muito hostil a Corbyn
e se voltou contra os próprios meios de comunicação. Ajudou a inflamar os
ânimos entre os seus seguidores, que foram para a Internet e as redes sociais e
compartilharam muita propaganda trabalhista. Não estou dizendo que isso iria
mudar tudo, mas houve uma dinâmica em que a imprensa de direita alimentou o
entusiasmo da esquerda. Não sei se acontece na Espanha, mas geralmente no Reino
Unido, no período de campanha, as coisas não costumam mudar. Nesta campanha
sim, porque May esteve muito mal. Quanto mais as pessoas viam Corbyn, mais
percebiam que não era um monstro.
Você não compartilha um artigo porque acha que é objetivo,
mas porque gosta dele emocional ou politicamente.
P. O senhor descreveu essas eleições como eleições falsas.
Por quê?
R. Porque todas as suposições dos meios de comunicação e dos
políticos acabaram se revelando falsas. A mídia fez uma falsa ideia do que iria
acontecer e os políticos também. A razão pela qual essas eleições foram
realizadas é o Brexit. May disse que tínhamos de fazer eleições para conseguir
uma liderança forte e estável capaz de negociar com a Europa. Mas não disse o
que ia negociar. E aconteceu o mesmo com os trabalhistas, que se recusaram a
falar do Brexit.
P. Muitos dos efeitos perturbadores que o senhor descreve
estão relacionados com as mudanças tecnológicas nos meios de comunicação.
Acredito que hoje em dia, em processos eleitorais na Espanha e no resto do
mundo, os leitores não têm as ferramentas para distinguir a informação da
opinião. Os jornais sempre publicaram editoriais e colunas assinadas. Isso é
hostilidade?
R. Refiro-me ao Reino Unido, onde sempre tivemos uma
imprensa muito partidária. Ela se fixa em alguns fatos, mas os vários jornais
informam de maneira totalmente diferente segundo sua orientação política. É
estranho, mas os britânicos talvez estejam mais acostumados com a ideia de que
as notícias são subjetivas. Acrescente a isso o surgimento de uma nova série de
sites de esquerda que são muito, muito partidários. As pessoas os leem não
porque sejam equilibrados ou objetivos, mas porque concordam com eles a partir de
um ponto de vista emocional.
P. E esse boom de sites mais ideológicos é acompanhado pelo
aumento das notícias falsas.
R. Agora existe a noção de que a verdade não tem nada a ver
com os fatos. Para muitos leitores, uma notícia falsa é uma notícia com a qual
discordam. Antes você lia o The Sun se fosse de direita e o The Guardian se
fosse de esquerda. Agora, você pode estar no Facebook ou no Twitter e
compartilhar algumas notícias ou outras dependendo dos seus preconceitos. Você
não compartilha um artigo porque acha que é objetivo ou contém boas
informações, mas porque você gosta dele emocional ou politicamente. Nesse
sentido, todos na Internet fizeram parte da campanha eleitoral, de um lado ou
de outro, o que fez com que as eleições fossem muito mais voláteis e mais
difíceis de cobrir para a imprensa.
P. Como um jornalista pode fazer seu trabalho agora, nesse
campo minado emocional?
Me preocupam muito as informações financiadas por Zuckerberg
R. É difícil porque a imprensa generalista britânica começou
a misturar opiniões e fatos. Mesmo a BBC, quando dá uma notícia, imediatamente
emite uma análise. E a análise inevitavelmente inclui uma opinião. Os meios de
comunicação estão descobrindo, em um mercado muito competitivo, que quanto mais
tendenciosa é a informação, mais as pessoas gostam. Portanto, também existe uma
espécie de pressão do mercado. Hoje, é mais necessário que o jornalista
desempenhe o seu papel e diga: “Olha, sei que do ponto de vista emocional você
acredita nisso, mas estes são os fatos”.
P. Os meios de comunicação estão mergulhados em uma grave
crise econômica porque ainda não sabem como explorar comercialmente a
distribuição digital. O senhor acredita que plataformas como Google ou Facebook
devem subvencionar de alguma forma o jornalismo?
R. Os bons jornalistas são muito bons. Produzem notícias
interessantes e estimulantes e estão muito bem informados. Eles têm
experiência. É disso, francamente, que as redes sociais precisam. Mas daí a
dizer que o Facebook deveria dar um cheque ao EL PAÍS ou ao The Guardian há
muita diferença. Me preocupa muito que o jornalismo seja financiado por Mark
Zuckerberg. Nesse sentido, eu não confio nele.
P. Se essas plataformas obtêm substanciais receitas de
publicidade, como fizeram os meios de comunicação durante décadas, o que as
impede de contratar jornalistas e não ter periódicos?
R. A principal razão é que o jornalismo não é rentável.
Admitamos: as notícias são uma parte minúscula dessas redes. De fato, os meios
de comunicação são necessários do ponto de vista político. Políticos e
governantes não gostam que existam notícias falsas ou extremismo. Nesse
sentido, os políticos são aliados da mídia. Reconhecem que os meios de
comunicação desempenham um papel na economia, na política e na democracia.
Acredito que o jornalista, em certo sentido, se esqueceu disso. Esquecemo-nos
de gritar as razões pelas quais o jornalismo é útil e, principalmente,
importante. Agora parece que começamos a perceber.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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