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terça-feira, 11 de julho de 2017

“Temos de admitir que o jornalismo não é rentável”


Publicado originalmente no site El País Brasil, em 10 de julho de 2017.

Charlie Beckett: “Temos de admitir que o jornalismo não é rentável”.

O professor da London School of Economics analisa a profunda transformação dos meios de comunicação

Por David Alandete. 

Primeiro foi o Brexit. Em seguida, o referendo na Colômbia. Mais tarde, a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. E mais recentemente o perverso resultado das eleições no Reino Unido, que mergulhou o país em uma profunda confusão. E não são apenas os cidadãos que estão confusos. As pesquisas e os analistas se equivocaram. Por meio de suas notícias, os meios de comunicação não souberam refletir fielmente o estado de espírito dos eleitores. Charlie Beckett (Londres, 1961), jornalista de longa trajetória, professor de mídia na London School of Economics e fundador do prestigiado think-tank Polis, acredita que a imprensa precisa de várias sessões de terapia para reencontrar sua razão de ser. Sua função continua sendo a mesma de sempre: relatar fatos, separando-os da opinião. Enquanto isso, os jornalistas devem resistir a muitos cantos de sereias.

Pergunta. O resultado das eleições no Reino Unido foi inesperado. Muitos de nós erramos em nossas previsões. Os meios de comunicação devem mudar a maneira de cobrir eleições?

Resposta. Acredito que sim. Estamos obcecados pelas pesquisas de opinião e nos esquecemos de informar. No Reino Unido, temos uma mídia muito centrada em Londres. Deve-se informar à moda antiga, de baixo para cima. Também é preciso ter uma edição digital. Está acontecendo algo terrível. Todos os jornalistas estão no Twitter e leem os tuítes uns dos outros, eles se retroalimentam e ignoram outras fontes.

P. Não apenas a mídia errou. Os políticos também não esperavam esse resultado.

R. É verdade. Por um lado, Theresa May fez uma campanha desastrosa. Ela se recusou a dar entrevistas mais profundas e a participar de debates. Jeremy Corbyn transitava no início em ambientes muito controlados, só em áreas de esquerda. À medida que a campanha avançava, seus assessores foram suficientemente inteligentes para obrigá-lo a fazer mais. Não só porque ele era muito popular, mas também como uma maneira de dizer: “Somos abertos, honestos, atraímos multidões e temos muita gente nas redes sociais”. Isso levou à ideia de que os trabalhistas tinham uma mensagem positiva e eram o partido da mudança.

P. Mas quase não se falava disso. Parecia que Corbyn levaria os trabalhistas a uma derrota histórica.

R. A informação em alguns jornais foi muito hostil a Corbyn e se voltou contra os próprios meios de comunicação. Ajudou a inflamar os ânimos entre os seus seguidores, que foram para a Internet e as redes sociais e compartilharam muita propaganda trabalhista. Não estou dizendo que isso iria mudar tudo, mas houve uma dinâmica em que a imprensa de direita alimentou o entusiasmo da esquerda. Não sei se acontece na Espanha, mas geralmente no Reino Unido, no período de campanha, as coisas não costumam mudar. Nesta campanha sim, porque May esteve muito mal. Quanto mais as pessoas viam Corbyn, mais percebiam que não era um monstro.

Você não compartilha um artigo porque acha que é objetivo, mas porque gosta dele emocional ou politicamente.

P. O senhor descreveu essas eleições como eleições falsas. Por quê?

R. Porque todas as suposições dos meios de comunicação e dos políticos acabaram se revelando falsas. A mídia fez uma falsa ideia do que iria acontecer e os políticos também. A razão pela qual essas eleições foram realizadas é o Brexit. May disse que tínhamos de fazer eleições para conseguir uma liderança forte e estável capaz de negociar com a Europa. Mas não disse o que ia negociar. E aconteceu o mesmo com os trabalhistas, que se recusaram a falar do Brexit.

P. Muitos dos efeitos perturbadores que o senhor descreve estão relacionados com as mudanças tecnológicas nos meios de comunicação. Acredito que hoje em dia, em processos eleitorais na Espanha e no resto do mundo, os leitores não têm as ferramentas para distinguir a informação da opinião. Os jornais sempre publicaram editoriais e colunas assinadas. Isso é hostilidade?

R. Refiro-me ao Reino Unido, onde sempre tivemos uma imprensa muito partidária. Ela se fixa em alguns fatos, mas os vários jornais informam de maneira totalmente diferente segundo sua orientação política. É estranho, mas os britânicos talvez estejam mais acostumados com a ideia de que as notícias são subjetivas. Acrescente a isso o surgimento de uma nova série de sites de esquerda que são muito, muito partidários. As pessoas os leem não porque sejam equilibrados ou objetivos, mas porque concordam com eles a partir de um ponto de vista emocional.

P. E esse boom de sites mais ideológicos é acompanhado pelo aumento das notícias falsas.

R. Agora existe a noção de que a verdade não tem nada a ver com os fatos. Para muitos leitores, uma notícia falsa é uma notícia com a qual discordam. Antes você lia o The Sun se fosse de direita e o The Guardian se fosse de esquerda. Agora, você pode estar no Facebook ou no Twitter e compartilhar algumas notícias ou outras dependendo dos seus preconceitos. Você não compartilha um artigo porque acha que é objetivo ou contém boas informações, mas porque você gosta dele emocional ou politicamente. Nesse sentido, todos na Internet fizeram parte da campanha eleitoral, de um lado ou de outro, o que fez com que as eleições fossem muito mais voláteis e mais difíceis de cobrir para a imprensa.

P. Como um jornalista pode fazer seu trabalho agora, nesse campo minado emocional?

Me preocupam muito as informações financiadas por Zuckerberg

R. É difícil porque a imprensa generalista britânica começou a misturar opiniões e fatos. Mesmo a BBC, quando dá uma notícia, imediatamente emite uma análise. E a análise inevitavelmente inclui uma opinião. Os meios de comunicação estão descobrindo, em um mercado muito competitivo, que quanto mais tendenciosa é a informação, mais as pessoas gostam. Portanto, também existe uma espécie de pressão do mercado. Hoje, é mais necessário que o jornalista desempenhe o seu papel e diga: “Olha, sei que do ponto de vista emocional você acredita nisso, mas estes são os fatos”.

P. Os meios de comunicação estão mergulhados em uma grave crise econômica porque ainda não sabem como explorar comercialmente a distribuição digital. O senhor acredita que plataformas como Google ou Facebook devem subvencionar de alguma forma o jornalismo?

R. Os bons jornalistas são muito bons. Produzem notícias interessantes e estimulantes e estão muito bem informados. Eles têm experiência. É disso, francamente, que as redes sociais precisam. Mas daí a dizer que o Facebook deveria dar um cheque ao EL PAÍS ou ao The Guardian há muita diferença. Me preocupa muito que o jornalismo seja financiado por Mark Zuckerberg. Nesse sentido, eu não confio nele.

P. Se essas plataformas obtêm substanciais receitas de publicidade, como fizeram os meios de comunicação durante décadas, o que as impede de contratar jornalistas e não ter periódicos?

R. A principal razão é que o jornalismo não é rentável. Admitamos: as notícias são uma parte minúscula dessas redes. De fato, os meios de comunicação são necessários do ponto de vista político. Políticos e governantes não gostam que existam notícias falsas ou extremismo. Nesse sentido, os políticos são aliados da mídia. Reconhecem que os meios de comunicação desempenham um papel na economia, na política e na democracia. Acredito que o jornalista, em certo sentido, se esqueceu disso. Esquecemo-nos de gritar as razões pelas quais o jornalismo é útil e, principalmente, importante. Agora parece que começamos a perceber.

Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com

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