De fake news à eleição de Donald Trump, o Facebook sempre teve uma
difícil relação com o meio jornalístico (Mambembe/Flickr)
Publicado originalmente no site PODER 360, em 11 de fevereiro de 2019
A relação conturbada do Facebook com a indústria de notícias
Leia a tradução do artigo do Nieman Lab
Por Joshua Benton
O Facebook fez 15 anos na última 2ª (4.fev.2019), e não
seria errado descrever isso como uma fase de puberdade desconfortável. Seus
membros cresceram inesperadamente rápido; ele anda desajeitadamente pelo
corredor, cheio de vértices e cotovelos desengonçados. Suas relações com os
outros às vezes parecem menos governadas pela razão e mais por sua
adolescência. Ele começa a gritar com seu pai e fica mal-humorado quando é pego
fazendo algo que não devia.
Como se tornou, ao lado do Google, o maior condutor de atenção
humana na história, o Facebook impactou praticamente tudo de uma maneira ou
outra nos últimos 15 anos. Mas poucos sentiram sua força mais do que a
indústria de notícias, que tentou várias vezes combater o vento contrário, sem
muito sucesso.
Então, com o Facebook celebrando seu aniversário, imaginei
que seria útil relembrar as 10 datas mais importantes da história do Facebook
para os editores de notícias (e para aqueles que os amam).
5 DE SETEMBRO DE 2006: FACEBOOK LANÇA SEU FEED DE NOTÍCIAS.
Poder ser difícil de lembrar, mas o fluxo de atualizações
não fazia parte do Facebook no começo. Isso só chegou mais de 2 anos após o
lançamento, com essa nota do gerente de produtos Ruchi Sanghvi:
O Feed de notícias destaca o que está acontecendo em seus
círculos sociais no Facebook. Ele atualiza uma lista personalizada de notícias
ao longo do dia, então você saberá quando Mark adicionar Britney Spears aos
seus favoritos ou quando sua paquera estiver solteira novamente. Agora, sempre
que você fizer login, receberá as manchetes mais recentes geradas pela
atividade de seus amigos e grupos sociais.
(Essa história de “nós vamos ajudá-lo a stalkear aquela
garota” é, felizmente, algo que você não vê nas mensagens do Facebook hoje em
dia.)
Outro trecho do anúncio:
O feed de notícias e o mini-feed são uma maneira diferente
de ver as notícias sobre seus amigos, mas eles não fornecem nenhuma informação
que antes não era visível. Suas configurações de privacidade permanecem as
mesmas – as pessoas que não podiam ver suas informações antes ainda não podem
ver agora.
Sem dúvida este foi o 1° grande momento em que os usuários
tiveram que encarar a realidade que, uma vez que adicionam informações a esse
gigantesco banco de dados, eles desistem de pelo menos algum controle sobre o
que acontece a seguir.
Passar de “eu pensei que isso era apenas para o pequeno
grupo de pessoas que visitam o meu perfil” para “minha nossa, agora eu estou
sendo cutucado por esse estranho em outra cidade, que sabe que estou solteiro
novamente” foi, de certa forma, o cálculo de privacidade do Facebook. De fato,
os usuários odiaram, mas Mark Zuckerberg respondeu da maneira mais
condescendente possível: “Acalme-se. Respire. Nós ouvimos vocês”. E as pessoas
seguiram em frente.
Para os editores que estavam prestando atenção na época –não
foram muitos–, o Facebook mostrou que entendia o poder de remixar pequenos
fragmentos de conteúdo dos usuários em uma experiência maior, algo que poderia
eventualmente ser uma plataforma para compartilhamento de conteúdo. Ele também
mostrou que “notícias” nem sempre quer dizer “notícias”.
9 DE ABRIL DE 2012: FACEBOOK COMPRA O INSTAGRAM POR US$ 1
BILHÃO.
Algum preço já pareceu tão ridiculamente alto na época –e
tão ridiculamente baixo alguns anos depois? Pois é, todo o crédito vai para
Zuckerberg. Ele viu a mudança para o compartilhamento visual chegando, viu uma
plataforma que compreendia o celular e não teve medo de atacar.
Esta foi a primeira grande aquisição do Facebook, mas é
claro que não foi a última, sendo o WhatsApp e o Oculus as mais proeminentes
por vir. A compra do Instagram mostrou aos editores que, quando surge uma nova
plataforma que parece interessante, o Facebook estará disposto a pagar para
entrar na onda. Você ia estar lidando com Menlo Park – cidade sede do Facebook
e do Google– de qualquer forma. (Ele também mostrou ao Facebook que os
reguladores antitruste, que em outra época podem ter desconfiado desse tipo de
expansão do poder de mercado, agora estavam desfrutando de uma bela soneca de
uma década).
23 DE JUNHO DE 2014: FACEBOOK COLOCA O DEDO DA ESTRATÉGIA DE
VÍDEOS.
O Facebook rejeita esse termo e sustentou que a crescente
proeminência de vídeos no feed de notícias foi uma resposta orgânica ao desejo
dos usuários. Mas esse foi o dia em que o Facebook anunciou que, se achar que
você gosta de vídeo, ele vai lhe dar mais e mais. O amadurecimento dos vídeos
de 30 segundos pode ser detectado até hoje. O ponto inicial foi aqui.
Demoraria pouco mais de 2 anos para que o Facebook
reconhecesse que estava calculando mal o quanto as pessoas assistiam vídeos
–exagerando o desejo dos usuários e o consumo de vídeos para editores e
anunciantes.
12 DE MAIO DE 2015: FACEBOOK INTRODUZ ARTIGOS INSTANTÂNEOS.
Eu acho que esse dia poderia ser descrito como o ‘Pico do
Facebook’ quando se trata da indústria editorial. (Não ‘O Pico do Facebook’ de
fato, é claro –esse dia provavelmente ainda está por vir.) O Facebook Instant
Articles foi ao mesmo tempo uma cutucada pouco sutil a respeito do quão
terríveis muitos sites de notícias eram em telefones, uma expressão pura do
poder de segmentação de anúncios do Facebook e o começo do fim da internet como
a conhecemos.
Ao dizer que a indústria de notícias deve publicar suas
histórias diretamente no Facebook –não apenas na internet–, o Instant Articles
deu o pontapé inicial no processo da publicação distribuída: o Google AMP e o
Apple News. (O Snapchat Discover havia sido lançado alguns meses antes). Com a
realidade virtual e especialmente os comandos de voz, ainda vemos o fascínio e
o risco de tal estratégia orientada pela plataforma. No final, a maioria dos
editores decidiu que o Instant Articles não merecia o incômodo e voltaram para
a internet.
3 DE DEZEMBRO DE 2015: FACEBOOK LIVE ESTREIA PARA USUÁRIOS
ATIVOS.
Se o Facebook diz que você vai fazer 1 vídeo ao vivo, então,
maldição!, você vai fazer 1 vídeo ao vivo. À medida em que os editores se
ajustavam ao tamanho exorbitante do algoritmo do feed de notícias em suas
estatísticas de tráfego, muitos estavam dispostos a fazer o que fosse
necessário, transformando até mesmo os repórteres de jornais impressos menos
carismáticos em cinegrafistas e repórteres de TV. O Facebook, 1 pouco assustado
pelo Snapchat, sabia que precisava de uma maneira de capturar uma forma mais
crua de expressão do que seus perfis cada vez mais polidos poderiam convocar, e
eles pensaram que o Live era parte da resposta.
Para os editores, era uma fonte de dinheiro e de estratégia
confusa, já que o Facebook pagava à indústria de notícias milhões de dólares em
troca de cumprir uma cota de vídeos do Facebook Live a cada dia ou semana. Com
a publicidade digital no lixo, muitos editores ficaram felizes em receber o
dinheiro, como seria mais tarde com o Facebook Watch. Nenhuma das duas
estratégias terminaram muito bem para eles.
9 DE MAIO DE 2016: GIZMODO ALEGA QUE O FACEBOOK REPRIME COM
FREQUÊNCIA NOTÍCIAS CONSERVADORAS.
Ah, o caso Gizmodo… Você pode debater o quão legítima era a
fonte da história –eu já fiz isso– mas, de qualquer forma, o resultado foi 1
Facebook que sentiu que precisava sustentar seu flanco direito. Editores e
ativistas conservadores reclamaram que o Facebook era parte de uma conspiração
liberal para suprimir a verdade. A empresa realizou uma cúpula de emergência
com Glenn Beck, Erick Erickson e outros e tentou convencer o Congresso do
contrário. Isso mudou como os Trending Topics funcionavam. Transformou os
trabalhos humanos em algoritmos. Eventualmente, matou os Trending Topics por
completo.
Essa história foi o verdadeiro ponto de partida para 1
argumento conservador mais amplo, de que plataformas de tecnologia são
inimigas. É como você acaba de frente com membros do Congresso reclamando que o
Google bloqueou sua busca por “Jesus”; culpando o Facebook por uma queda no
tráfego em 1 site de conspiração; e perguntando se Taylor Swift não havia sido
vítima de discurso de ódio de 1 escritor GQ.
8 DE SETEMBRO DE 2016: FACEBOOK DECIDE QUE UMA FOTOGRAFIA
VENCEDORA DO PULITZER É PORNOGRAFIA INFANTIL.
Este foi o momento em que muitas pessoas perceberam que, de
alguma forma, quando não estavam olhando, o Facebook foi nomeado editor-chefe
do discurso global.
A história de fundo: 1 autor norueguês postou em sua página
no Facebook a famosa foto de Nick Ut de uma garota vietnamita, nua e em pânico,
fugindo de napalm. Você conhece a imagem. Os moderadores de conteúdo do
Facebook declararam pornografia infantil e proibiram o autor de postar
novamente. O maior jornal da Noruega escreveu uma reportagem sobre o assunto, e
foi retirado porque usou a foto. O Facebook até impediu o primeiro-ministro da
Noruega de publicá-lo.
O Facebook mudou de ideia 1 dia depois. Mas o incidente da
“napalm girl” evidenciou tanto o capricho quanto o domínio do Facebook para
tomar as decisões finais. Alguns moderadores de conteúdo mal pagos nas
Filipinas poderiam determinar se 1 jornal teria que compartilhar uma história
ou não.
8 DE NOVEMBRO DE 2016: DONALD TRUMP É ELEITO PRESIDENTE DOS
ESTADOS UNIDOS.
Para ser claro: não estou dizendo que o Facebook (ou as
coisas que aconteceram em sua plataforma) mudou a eleição. O que estou dizendo
é que a posição do Facebook no mundo virou ao avesso quando o resultado ficou
claro.
O que quer que se pense de Trump, ele é 1 presidente muito
incomum, e a busca pós-eleição por fatores que pudessem estar por trás desse
resultado incomum colocou os holofotes diretamente no Facebook. Uma análise
recente ilustrou como histórias negativas sobre o Facebook apareceram no New
York Times bem na época da eleição. (Justificadamente, eu diria.) Somente as
revelações da Cambridge Analytica, em 2018, combinariam isso como 1 fator de
cobertura negativa.
Todas as conversas sobre “fake news”, “guerra de informação”
e “bolhas de filtro” colocaram o Facebook na defensiva – em alguns casos
injustamente, mas na maioria das vezes não. (O Projeto de Jornalismo do
Facebook foi lançado pouco depois, sem nenhum acidente).
As percepções do Facebook mudaram de “lugar onde vovós
postam memes” para “lugar que pode ter desempenhado papel significante na
intervenção estrangeira na democracia americana”. Com isso, os editores
começaram a se sentir 1 pouco melhor ao se afastarem dele como estratégia
necessária de desenvolvimento de público-alvo.
21 DE MARÇO DE 2017: FACEBOOK COMEÇA A CLASSIFICAR HISTÓRIAS
FALSAS COMO “DUVIDOSAS”.
Este foi o 1° esforço significativo do Facebook para salvar
seus próprios usuários do compartilhamento de besteiras. Foi também 1 momento
chave na parceria do Facebook com empresas de checagem de fatos como
PolitiFact, AP e Snopes, sob a bandeira da International Fact-Checking Network.
Se duas organizações separadas com as quais o Facebook
estava trabalhando tivessem declarado uma história falsa, o Facebook a
classificaria como “duvidosa por vários verificadores de fatos independentes”.
Este sistema não funcionou muito bem e o Facebook se afastou
dele em alguns meses. O que não mudou muito foi a terceirização por parte do
Facebook desse tipo de trabalho para as organizações de notícias – que protege o Facebook de reivindicações
tendenciosas, mas também coloca muito trabalho nas costas dos editores. (Na
semana passada, 1 deles disse que já não aguentava mais).
11 DE JANEIRO DE 2018: FACEBOOK FALA QUE HÁ MUITAS NOTÍCIAS
APARECENDO NA REDE SOCIAL.
Me desculpe –eu quis dizer que o Facebook quer “aproximar as
pessoas” com 1 abraço registrado em fotografia.
O Facebook fez vários movimentos ao longo dos anos para
diminuir a quantidade de conteúdo dos editores no feed de notícias. Mas foi o
anúncio de janeiro de 2018 que fez parecer o movimento como 1 pedido de
divórcio. Zuckerberg chegou ao ponto de afirmar que a culpa das pessoas se
sentirem mal ao usar a o Facebook era dos editores.
A pesquisa mostra que quando usamos as mídias sociais para
nos conectar com pessoas com as quais nos importamos, isso pode ser bom para o
nosso bem-estar. Podemos nos sentir mais conectados e menos solitários, e isso
se correlaciona com medidas de longo prazo de felicidade e saúde. Por outro
lado, a leitura passiva de artigos ou a visualização de vídeos, mesmo que sejam
divertidos ou informativos, pode não ser tão boa.
(“Artigos de leitura passiva” também é conhecido como
“artigos de leitura”).
A mudança significou mais posts de amigos e familiares e
menos dos editores. E para que os editores superassem essa barreira, o conteúdo
deles tinha que “encorajar interações significativas entre as pessoas”. Deus
proíba as notícias de serem apenas seja notícias – você precisava se animar
para lê-las agora.
Os editores, que em muitos casos já haviam visto o uso do
Facebook em queda há algum tempo, viram mais do mesmo. O Facebook, que vinha em
uma disputa ferrenha com o Google para ver quem enviava mais conteúdo para os
editores, sumiu do mapa.
Por 1 lado, ninguém gosta de perder audiência. Mas, por
outro lado, esse pode ter sido o ponto em que algumas editoras precisavam para
pensar sobre como uma organização de notícias sustentável pós-Facebook poderia
se portar.
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*Joshua Benton é diretor de jornalismo do Nieman Lab.
*Joshua Benton é diretor de jornalismo do Nieman Lab.
Texto e imagem reproduzidos do site: poder360.com.br
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